‘Chamei de cego, filho da p* e mandei tomar no c*’: como volante fez de tudo para ser expulso em aposta manipulada (e não conseguiu)
O volante Fernando Neto, atualmente no São Bernardo, é mais um dos atletas que aparece em diálogos obtidos pela Operação ‘Penalidade Máxima II’, que investiga manipulação e ações indevidas no futebol.
A operação tocada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) investiga um esquema envolvendo jogadores e grupos criminosos, que ganhavam dinheiro com apostas relacionadas a lances específicos em partidas das Séries A e B do Campeonato Brasileiro, além de partidas de torneios estaduais. As competições analisadas são de 2022.
O ESPN.com.br teve acesso ao processo, que mostra inúmeros diálogos entre o volante e Bruno Lopez de Moura, sócio da BC Sports Management e que teve o celular apreendido durante a operação.
Fernando, que no ano passado atuava no Operário, tenta se justificar, por não ter conseguido ser expulso em um jogo, algo combinado anteriormente para que ele embolsasse cerca de R$ 500 mil.
“Se você viu o jogo mesmo, viu que fiz de tudo. Se pudesse escutar o que falei pra ele depois das faltas que fiz, falta sem bola, falta fora do lance, no início do jogo já fiz falta na entrada da área e nada, eu chamei ele de cego, xinguei de filho da p***, mandei ele se f**** e tomar no c* quando levei o amarelo. Eu não estou contando história não, eu tentei, porque você falou que já tinha feito a operação, o árbitro no meio do jogo chegou em mim e perguntou se eu tava querendo ser expulso, para você ter ideia. Na volta do intervalo ele falou a mesma coisa e perguntou o que estava acontecendo. Mateus viu o jogo também, olha as faltas que fiz, só faltou eu agredir o árbitro pra acontecer alguma coisa”, iniciou. “Você pode pensar que estou falando da boca pra fora, mas eu tentei de todo jeito e aquele filho da p*** não me expulsou. Não tem lógica o que ele fez. Pra você ter ideia, todo mundo dentro do campo ficou revoltado.”
A justificativa de Fernando, porém, não é aceita pelo apostador: “Vou te dar um papo… Independente se eu vi o jogo, se eu acompanhei, é claro que eu vi que você ‘tentou’, mas só tentar não serve pra gente. Se você está honrando um compromisso, um trampo, um valor alto tanto pro seu lado quando pro nosso lado, que querendo ou não é nosso dinheiro no risco. Você tem que fazer. Xingou? Xingasse mais, peitasse ele, fosse pra cima sem dó. Não estou aqui pra dar lição de moral, nem pra ensinar você a nada, cada um é responsável pelos seus atos. E infelizmente você acabou entrando em um prejuízo.”
O atleta, dizendo que não tinha dinheiro para arcar com os custos, voltou a tentar se explicar: “Quando levei o cartão, eu xinguei ele sim. O cara não quis me expulsar. Até parecia que ele não queria me expulsar por nada.”
Apesar dos argumentos de Fernando, o apostador não alivia, dizendo que ele teria que dar um jeito de cobrir o prejuízo que causou: “Já começando pelos R$ 40 mil enviados, já envia algo a mais, pra já ir demonstrando o interesse em resolver. Não estou aqui para oprimir e ameaçar ninguém, mas você foi o responsável pelo prejuízo, e no prejuízo eu não posso sair”, disse ele, antes de subir o tom nas ameaças: “Você vive de que? Não tem salário, não recebe? Não f888, mano. Eu não vou ficar no prejuízo, já estou te avisando e ainda tentando trocar uma ideia saudável. Ou se quiser, a gente resolve por outros meios, mas acredito que sua carreira deve valer muito pra você. Joguei profissional também, se eu me responsabilizo por uma parada dessas, eu já vou sabendo dos prós e dos contras”
No dia seguinte, Fernando envia um comprovante de depósito no valor de R$ 500 para uma conta no nome de BC Sports Management. Em outros diálogos vazados, o atleta aparece tentando aliciar Eduardo Bauermann, zagueiro do Santos, e até tira sarro por ele não ter conseguido receber um cartão amarelo.
Veja abaixo quais são os jogos que estão sob investigação na Série A
- Palmeiras x Juventude
- Juventude x Fortaleza
- Goiás x Juventude
- Ceará x Cuiabá
- Red Bull Bragantino x América-MG
- Santos x Avaí
- Botafogo x Santos
- Palmeiras x Cuiabá
Quais jogadores estão sendo investigados?
- Eduardo Bauermann (Santos)
- Gabriel Tota (Ypiranga-RS)
- Victor Ramos (Chapecoense)
- Igor Cariús (Sport)
- Paulo Miranda (Náutico)
- Fernando Neto (São Bernardo)
- Matheus Gomes (Sergipe)
Quais jogadores também foram citados no processo?
- Vitor Mendes (Fluminense)
- Richard (Cruzeiro)
- Nino Paraíba (América-MG)
- Dadá Belmonte (América-MG)
- Kevin Lomonaco (Red Bull Bragantino)
- Moraes Jr. (Juventude)
- Nikolas Farias (Novo Hamburgo)
- Jarro Pedroso (Inter de Santa Maria)
- Nathan (Grêmio)
- Pedrinho (Athletico-PR)
- Bryan García (Athletico-PR)
Apostadores e membros da organização
- Bruno Lopez de Moura
- Ícaro Fernando Calixto dos Santos
- Luís Felipe Rodrigues de Castro
- Victor Yamasaki Fernandes
- Zildo Peixoto Neto
- Thiago Chambó Andrade
- Romário Hugo dos Santos
- William de Oliveira Souza
- Pedro Gama dos Santos Júnior
O que a “Operação Penalidade Máxima” investiga
A investigação da “Operação Penalidade Máxima” aponta que grupos criminosos convenciam jogadores, com propostas que iam até R$ 100 mil, a cometerem lances específicos em partidas e causassem o lucro de apostadores em sites do ramo.
Um jogador cooptado, por exemplo, teria a “função” de cometer um pênalti, receber um cartão ou até mesmo colaborar para a construção do resultado da partida – normalmente uma derrota de sua equipe.
As primeiras denúncias ouvidas pela operação surgiram no fim de 2022, quando o volante Romário, então jogador do Vila Nova (GO), aceitou R$ 150 mil para cometer um pênalti contra o Sport, em partida válida pela Série B do Brasileiro.
Na ocasião, o atleta embolsou R$ 10 mil imediatamente e só ganharia o restante caso o plano funcionasse. Romário, porém, sequer foi relacionado para a partida, o que estragou a ideia.
A história chegou até Hugo Jorge Bravo, presidente do time goiano e também policial militar, que buscou provas e as entregou ao Ministério Público do estado. A partir daí, criou-se a operação “Penalidade Máxima” para investigar provas e suspeitas sobre o assunto.
Na primeira denúncia, havia a suspeita de manipulação em três jogos da Série B, mas os últimos acontecimentos levaram os investigadores a crer que o problema era de âmbito nacional e havia acontecido em campeonatos estaduais e também na primeira divisão do Brasileiro.
Além de Romário, outros sete jogadores foram denunciados pelo Ministério Público por participarem do esquema de fabricação de resultados: Joseph (Tombense), Mateusinho (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Cuiabá), Gabriel Domingos (Vila Nova), Allan Godói (Sampaio Corrêa), André Queixo (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Ituano), Ygor Catatau (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Sepahan, do Irã) e Paulo Sérgio (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Operário-PR).
Algum jogador de futebol foi preso?
Nenhum jogador preso, só pessoas envolvidas nos pedidos de manipulação. Foram três mandados de prisão em São Paulo, mas só para não atletas.
Foram apreendidas granadas de efeito moral em um mandado de prisão em São Paulo e armas de fogo em outro endereço, também em terras paulistas. Nesse local, houve também um flagrante de armas de fogo sem o devido registro.
Os atletas ou aliciadores podem ser indiciados via Estatuto do Torcedor e também podem responder por crime por lavagem de dinheiro, se for o caso. Segundo o Estatuto do Torcedor, a pena varia de 2 a 6 anos de prisão.
O que os jogadores faziam para manipular as partidas?
Os atletas e envolvidos suspeitos estão sendo investigados por manipulação da seguinte forma: receber cartões amarelo ou vermelho, cometer um pênalti, garantir uma derrota parcial no 1º tempo, número de escanteios, etc.